segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pedaços de tempos

Numa voracidade que me atropela, a vida passa por mim, deixa-me estendido sem possibilidade de reagir….olho muitas vezes em volta pareço perder o norte, o sul qualquer ponto cardeal que me oriente.


Nem todo o tempo me chega, estranha ironia..tenho sempre que partir com a sensação que algo ficou para trás, sinto o som amorfo de um silêncio que ficou no ar….corro, corro desvairadamente para entender esta pressa de viver, não perder a vida…..mas ela , inexoravelmente, passa por mim e não volta , essa parece ser a única certeza que fica….a passagem da vida, feita de momentos no tempo e nos tempos.

Dou por mim a pensar que me apetece fraccionar o meu tempo e lançar os pedaços na eternidade e aí, nessa possível existência, juntá-los para reencontrar aquilo que não fiz….mas miseravelmente dou-me conta que não possuo aquilo que não vivi, esses pedaços nunca os poderei encontrar.

Nunca fico completo, nesta eterna insatisfação, sou menos que aquilo que penso ser e mais que aquilo que gostaria de ser, paradoxo quase de um louco que de louco tem a sensação de nunca estar no local certo…no tempo dele, passado… futuro...louco que vagueia como uma caravela, cujos mastros se quebraram e que só a boa vontade das ondas e do vento lhe dará rumo…sempre dependente….depende da boa vontade dos outros o louco e a caravela…nunca da dele.

Sou menos importante que os outros…..mas talvez porquê os outros são mais importantes que eu…afinal serei um felizardo e não me dou conta de tal…nunca sou suficiente…sou pouco, ou então sou demais, serei um dia uma medida certa, aquela medida de um homem apenas?

Das fracções dos meus tempos farei a minha pequena história que só para mim contarei, sim só eu a posso entender…pois fraccionei o meu tempo em pedaços..só eu tenho a fórmula para a resolução da junção de todos esses pedaços…será o meu segredo, aquele que no leito de uma qualquer morte, pois ele há muitas , um dia passarei como legado de alguém que nunca lamentou aquilo que não teve ou que não foi…os outros foram muito para mim…estou grato por me amarem…sim sofri por que amei…mas foi bom ter sofrido assim!


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Máscara de homem


Alguém me diz se é possível aspirar a ser apenas um homem….não ser um pedreiro, médico,
juiz ou um carpinteiro…..ser homem....apenas homem.

Na essência sobreviver como o natural, aquele homem, a silhueta ou a sombra de um homem só….sem circunstâncias, ser no ser ……não parte, mas o homem.

Toldado na sua condição de homem…..dizer, quero ser apenas o homem.
Nunca saberei….nasci nessa condição, ensinaram-me a fugir dela, criando, tal artífice, todas as máscaras possíveis…. um dia não me reconheço.

Agora reduzido a uma metáfora do que fui…nada sou……mascarado na multidão passo por todos sem que me vejam…nada nos vê…..já nem as estrelas acreditam em mim…sou o artefacto do humano…hoje o farrapo feito homem, esquecido nos cantos memoriais , recolho-me humildemente, sem saber que o não sou….. na ideia de um homem que pensa que o é.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Nostalgia do futuro



Muitas vezes invocamos os seres metafísicos para entender o que se passa connosco. Necessidade imperiosa de precisarmos sempre de uma qualquer explicação para evitarmos uma qualquer deriva, cedo o homem se apercebeu que não encontrando resposta, ela estaria para além dele.

Um dia um homem foi mais arrojado e disse “ cogito ergo sum”, mas não conseguiu ultrapassar a barreira metafísica….ainda havia algo para lá de nós, mas ganhou-se consciência que afinal era em nós que estava o tal cogitar , afastámo-nos do campo metafísico, só pecou numa coisa Descartes ( não por um qualquer erro, esse é da autoria do professor António Damásio) não foi em auxilio de Galileu, os dois mudaram o rumo da história do pensamento humano, mas fosse Descartes mais longe…..e a história hoje seria outra.

Aparentemente aborrecida esta introdução ( ou se calhar não é aparente) serve essencialmente para enquadrar o nosso pensamento, ou no caso o meu…..e de mais alguém que o queira partilhar… será que é possível ter nostalgia do futuro ou saudades do futuro? Não será uma negação do conceito tão português da saudade e da nostalgia ,este mais universal…….afinal saudade tem-se daquilo que se teve, nostalgia recorda-se com um misto de saudade, tristeza ou alegria o que se passou…..

Fazendo um exercício mental, o tal cogitar, existimos agora, portanto o passado não existe nem o futuro, quer um, quer outro são retratos mentais do momento…..e melhor, dos momentos…..daí poder-se admitir que teremos saudade e nostalgia do futuro…..sentimento bonito se associado a um momento que se espera ansiosamente…..se calhar por isso nos causa saudade…queremo-lo na existência imediata, naquela que agora vivemos, no cogitar…..apetece sentir, ouvir, cheirar, tactear, sim ofegar……afinal a vida faz-se no pensamento…mas efectiva-se no sentir……sim existe saudade e nostalgia do futuro....ou a certeza da incerteza !

domingo, 1 de novembro de 2009

Palavras aprisionadas




Dizia o saudoso, José Afonso ( Zeca), que “…não há machado que corte a raiz ao pensamento..”
Verdade quase absoluta….. e digo quase porque duvido que exista verdade absoluta……
Mas já não se aplica o mesmo principio ás palavras…estas já podem vir dilaceradas ou até ser dilaceradas por quem as lê…e lhes tenta enviusar o sentido.
Escrevi já, com sentimento, liberdade e senso comum ou incomum… a partir de determinada altura, por razões que me fogem ao controle, comecei a escrever condicionado, e não tinha consciência disso. Não escrevo como escrevia…agora meço o tamanho e peso das palavras…conseguiram que eu aprisionasse as palavras….como tudo o que se escreve pode eventualmente ter vários sentidos, eu agora tento entender esses sentidos…perdi a espontaneidade das palavras, por inerência considero que começo a ter o meu pensamento aprisionado.
A vida faz de nós tudo o que se possa imaginar, heróis, mártires ou até proscritos…….eu vendi a uma entidade censória as minhas palavras…o meu inconsciente tornou-se na censura, na minha censura…terrível destino que a vida me proporcionou, tornei-me num proscrito….
Quando aqui na minha solidão, converso com as palavras, é neste acto egoísta que elas me dizem que já não sou o mesmo……aprisionei-as….queixam-se que não as liberto.
Tento justificar tal com o meu estado de alma…….pouco contemplativas e menos tolerantes as palavras são o mais cruel dos acusadores…dizem e bem, agora já não revelas o teu estado de alma porque ficaram muitas de nós ali aprisionadas…tem misericórdia de nós dizem-me!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Frágil condição


Frágil condição

No espaço de um pensamento cabe o mundo
Na memória empilham-se vidas
No corpo pende a necessidade
Frágil condição para tanto

No espaço de um pensamento cabe a vida
Na memória arquivam-se os momentos
No corpo arrasta-se o tempo
Frágil condição para tanto

No espaço de um pensamento cabe a sabedoria
Na memória deita-se a tolice
No corpo pesa o excesso
Frágil condição para tanto

Será que um dia, liberto do fardo
Serei apenas a sombra de um miserável corpo
Onde o pensamento não cabe?

domingo, 11 de outubro de 2009

Sentido da opção


Nunca faz sentido a opção.
Porque quando se opta, perde-se inevitavelmente algo. A opção obriga necessariamente a atirar algo fora, digamos assim.
Não é fácil optar, por mais que nos digam que existem dois caminhos nunca saberemos como será aquele que não percorremos…..um dia diremos e se tivesse ido por ali como teria sido.
Esta sensação de perca obriga-nos a um exercício constante de procurar na opção a justificação para ela. Se não a encontrarmos, ou um dia vacilarmos, virá ao de cima o tal caminho que não seguimos, e voltamos á interrogação, porquê este caminho e não o outro…….
O ideal seria não termos que optar, seguir o único caminho que temos, não como felizes dos pobres de espírito, como diria Fernando Pessoa, mas como o caminho que traçámos, aquele que não nasceu de uma opção mas sim de, deliberadamente, o termos traçado como nossa direcção. Mas isto seria o ideal, e como o ideal é isso mesmo……..ficamo-nos por aí.
A opção causa a angústia do nascimento a posterior, aquele em que já nascemos e agora teremos que escolher onde supostamente o iremos fazer e quais os pais que teremos….o absurdo é que nascituros ainda nada sabemos e portanto a escolha não se coloca, quem está ali mais á mão será quem nos leva, claro que isto é levar o absurdo ao extremo, mas fica a analogia.
Mas não sou utópico ao ponto de atirar a opção para uma espécie de recurso secundário, ela serve muitas vezes para nos ajudar a clarificar o que seria bom ou mau, através de um dos sentidos que tomarmos…e muitas vezes é sinal de bonança, pois ter porque optar, pode representar a felicidade não extrema…mas quem sabe levada a um quase extremo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O baile popular manifestação do simples.


O óleo fervilha aguardando a massa enrolada que transforma em fartura. O cheiro inunda o recinto….olha a bela fartura, o Chico das farturas faz a publicidade possível, neons enfeitam a rulote , anunciando a fartura e o churro como especialidade. O homem dos balões sopra e chocalha o balão tentando cativar as crianças , e estas num apelo quase desesperado…..pai, mãe compra-me um balão………Soa a música, dedicada a uma musa cigana, diz o cantor num tom popular ,” e ela põe a mão na centura”. Casais mais velhos e mais novos atacam a pista feita na calçada do passeio…..algumas mulheres dançam juntas.
O grupo musical prossegue a sua senda, indiferente aos piropos ou até ao bêbado que num ritmo confuso se estatela no chão quando tenta uma pirueta mais arriscada. Coscuvilha-se atentamente, em tom de troça, alguns….. outros na critica ao pé mal colocado ou ás calças mais justas e transparentes de alguma dançarina….olha o decote, parece que as mamas vão saltar para fora…….que vergonha, elas querem é mostrar-se! Diz alguém alicerçando a sua autoridade na qualidade de decano da festa.
Reza a história que nos Santos Populares, a rua se faz salão dos pobres. Não se veda a entrada porque seriam os Santos os primeiros a criticar a selectividade.
De forma genuína as pessoas reagem ao som da música que de cariz popular, hoje apenas tem tom quase monocórdico que faz as delicias de todos, utilizando para tal a letra brejeira , num mesmo som confundem-se todas as letras…ou se calhar não , depende do ponto de vista e nada me diz que estou totalmente isento ou suficientemente distante para não cair na selectividade que me trouxe esta pretensa cultura ou este manancial de informação que acumulei ao longo dos livros, jornais ou revistas que li.
Confesso que aprecio este tipo de coisa, manifestações genuínas e populares, por contraposição aquela cultura enlatada e vendida aos magotes como pretensamente sinal de bom gosto e sabedoria.
Tenho uma queda especial pelo que é simples. Esta tendência deve-se a que tenho como certo que o que é simples demorou muito mais para atingir tal estado, do que aquilo que aparenta ser complexo, considero até que este último (o aparente complexo) é um simples incompleto.
Ver a simplicidade acarreta uma visão muito mais ampla, mas o “perigo” é considerar a simplicidade como algo que é fácil que não dá trabalho ou até que não tem conteúdo….esse é o erro dos ignorantes e complexos.
A complexidade é uma manifestação da impossibilidade de desmontar algo e torná-lo simples, não é ignorância, nada disso. Representa, isso sim, o processo para a simplicidade, o percurso para se atingir a tal simplicidade que depois de desmontada se torna, quase inevitavelmente, numa aquisição por todos e para todos, eliminando o processo selectivo, mas discernir que existe simplicidade acarreta um mais amplo alcance.
Um diamante vale muito, porque é raro dizem. Num deserto se confrontados com a imensidão e a necessidade de vencer o espaço dois homens carregassem, um diamantes e o outro água, em poucos dias se alteraria a ordem quantas diamantes seriam precisos para um copo de água, e será que valiam ou serviriam para alguma coisa?


“As coisas simples dizem-se depressa, tão depressa que nem conseguimos que as ouçam. As coisas simples murmuram-se, um murmúrio tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém. As coisas simples escorrem pela prateleira da loja, tão ao de leve que ninguém as compra. As coisas simples flutuam como vento, tão alto, que não se vêm. São assim as coisas simples: tão simples como o sol que bate nos teus olhos, para que os feches, e as coisas simples passem como sombra sobre as tuas pálpebras.”
Nuno Júdice

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Prefácio de uma flor


Prefácio de uma flor
Tem claramente um destinatário este prefácio…. uma flor.
Não é o prefácio do amor, nem tem pretensão a tal, é o prefácio de um amor. No decurso de um tempo marcou outros tempos, aqueles que eram dos protagonistas. Cruzaram-se com outros tempos, o tempo deste amor. Nasceu porque tinha que nascer, por vezes, de uma forma simples e sem intuitos que não o de procurar alguma felicidade, surge num contexto mais complexo por força de uma enorme felicidade. De repente tudo se transforma, para melhor. Damos um passo….queremos dar outro e, de repente, damos por nós a caminhar sem abdicar da companhia que nos ampara.
Surgiu assim este amor, de forma simples. Ganhou uma dimensão que deixou de ser possível controlar toda a sua ramificação….por todo o lado se sente. Fruto das circunstâncias de cada um……porque existem…….elas foram a alavanca necessária….mas depois deste impulso inicial tudo se questiona, e as circunstâncias mudam.
Esta mudança será ou não motivo de preocupação porque pode por em causa o contexto inicial e o pressuposto que esteve na essência desse amor?
Há coisas que existem porque são possíveis num determinado contexto…fora desse contexto podem até deixar de fazer sentido……nós, humanos, somos fruto de circunstancialismos vários…e mudamos consoante esses circunstancialismos se alteram, porque é essa a verdadeira natureza das coisas.
Nós somos vários, embora um…. existe até uma canção que diz qualquer coisa do género “ somos um , mas não somos o mesmo” e efectivamente isto faz todo o sentido. Mesmo olhando numa perspectiva do nosso interior devemos sempre admitir a existência plural, sem que isso pareça a máxima de que temos várias caras.
Não se trata de um acto consciente para provocar algo que não somos. Trata-se, isso sim, de um acto inconsciente e fruto das circunstâncias, que nos torna diferentes naquele determinado contexto…..até porque os outros são diferentes…são eles próprios frutos dos circunstancialismos que estão inerentes á situação e determina a nossa condição.
A ausência pode num determinado contexto ser factor de afastamento…pode fazer mal! Mas se assim é, então o que está subjacente a esse contexto da ausência? Que circunstancialismo pode determinar o afastamento?
A resposta pode estar dada no que supra expôs, nós e as nossas circunstâncias……se assim é, faz sentido que fora do contexto inicial e alteradas as circunstâncias o afastamento exista até como condição que aparece naturalmente.
Não faria sentido criar obstáculos á distância ou temê-la como factor negativo……pois ela naturalmente tomaria o seu lugar e surgiria….teríamos assim ausência que distancia, mas como factor que apenas serve de motivo para dizer que fora do contexto inicial e determinado naqueles termos o afastamento existe para além dela, não sendo consequência mas efeito que apenas precisa de um pretexto para se dar.
Isto seria uma possibilidade se fossemos apenas um….mas somos vários e essa possibilidade é apenas isso mesmo, uma possibilidade.
Nada indica o que vai suceder…podemos imaginar, ou até intuir, mas as possibilidades existem, aquelas que queremos e até aquelas que não queremos…tudo é vida, até a ausência que distancia ou aquela que reforça e atribui uma espécie de garantia às relações……mas qual delas parece ser menos dolorosa…essa é a questão….porque o pressuposto inicial, que existe, pode ser posto em causa pelo reforço.
Viver um dia de cada vez e aproveitá-lo bem, saboreá-lo e acima de tudo dizer, hoje estou feliz. Este é o verdadeiro prémio, conseguir a felicidade e vivê-la.
Isto é somente um prefácio ……não o epílogo porque esse, como disse o Mestre, Agostinho da Silva, “ Crê com todo o teu ser; só assim terás atingido o máximo da dúvida” e esta, como disse alguém, ajuda a crescer.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Razão sem razão.


Não existe verdade absoluta, existem sim circunstancialismos que parecem adequar as verdades tidas como absolutas, aos momentos em que parecem fazer sentido.
Isto levanta um enorme problema, será que mentimos inconscientemente ou será que receamos que as verdades que nos assolam o consciente, e que nos parecem pouco razoáveis, nos amedrontam?
Necessariamente isto faz parte de um comportamento tido como racional e de bom senso, enquadrado no senso comum e tido como correcto, o que torna as verdades, ou não verdades, como manifestações secundárias desse comportamento, ou seja, obtendo o resultado mais equilibrado logo essa verdade é tida como absoluta e necessária, gera o equilíbrio pretendido.
Tudo isto faria sentido numa postura de "razão pura", contudo não é certo que a afirmação introdutória (não existe verdade absoluta) ou a "razão pura" sejam afirmações correctas e tidas como manifestações do razoável, elas podem ser em si mesmo, e como manifestações que conduzem a caminhos idênticos, sofismas, logo, fruto do circunstancialismo e prova de que não passámos do mito para a razão como se tivéssemos transposto uma sebe e apareceu o país das maravilhas da Alice - passe a ironia - aqui não na versão de fantasia, mas tudo transformado na premissa cartesiana "cogito ergo sum".
Tudo isto parece aborrecido e não servir para nada, então para quê perder tempo com pensamentos que na prática resultam inócuos? Para quê milhares de livros e pensadores ao longo da existência humana? Afinal o resultado, trocado por miúdos, é nada.
Hoje queremos é chegar a casa ligar a TV com ecrã de plasma ou plano, e mudar de canal….. e que horror…….. quando dão as crianças a morrer de fome num qualquer país longínquo.
Aliás banaliza-se tanto a miséria e a desgraça alheia que por vezes temos dificuldade em distinguir a realidade da fantasia, será real ou é algum filme bem realizado, no fundo o resultado é o mesmo, tanto faz, é entretenimento para as sociedades ditas modernas e desenvolvidas.
O cruel disto é que foi "a razão pura" que nos levou a esta postura, ou seja, surge aqui um paradoxo, afinal o pensamento serviu para alguma coisa, a questão é saber se ele hoje é puro ou impuro por estar deturpado e manipulado para motivar as tropas a marcharem todas no mesmo sentido? Como seria bom conhecer a resposta mas é presunção (e água benta) ir tão longe!
Serve isto para quê? Para, tentar, demonstrar que o racionalismo nos levou para a clonização, não genética mas comportamental.
Hoje, quase, todos se comportam segundo parâmetros pré-defenidos, é fácil aos gurus da economia-mercantilista adivinhar o que se vai seguir, qual o carro que vai agradar, qual a roupa que se vai vestir ou os alimentos que se vão consumir e, assim, produzir na proporção necessária e com custos reduzidos e com garantia de escoamento total.
Criou-se o homem "estatísticus" (ser que se enquadra em todas as estatísticas possíveis ao ponto de não ser necessário votar, pois o sentido do voto já é conhecido por essa ciência oculta a que se dá o nome de sondagem/estatística) faz-se as contas, volta-se a trocar por miúdos, e eles compram de certeza.
Porque não são eles que pensam, somos nós os insondáveis homens das estatísticas, coadjuvados por esses seres iluminados da publicidade e que lhes impingem o que queremos.
As necessidades deles são primeiro as nossas necessidades, cultivamos o individualismo, cada um "per si", o homem de sucesso, mas paradoxo dos paradoxos todos iguais.
A que leva isto? Ao abandono do emotivo, das emoções, quase tidas como hereges, o general (o cérebro) não pode dar sinal de fraco perante os seus soldados (aqui os sentidos) tem que ser firme e destituído de emoções.
Perdeu-se o romantismo o ser emocional que também utiliza a razão na proporção necessária. O romantismo que hoje existe só existe se for com reservas, a pureza do conceito dilui-se na amálgama de conceitos tidos como certos, provenientes desse poderoso modelo a "rácio domines".
Felizmente que o quadro não é desesperante, resta a esperança de que em cada um de nós e em todos nós permaneça uma resquício de emoção e se lembrem que como disse, Victor Hugo “só o amor é verdade”

José Garrido – 6 de Agosto de 2009

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cúmplices


Soavam os nosso passos rua acima, rua abaixo…
O tempo feito eternidade…
O espaço inexistente face á nossa presença…
Os becos estreitos e gastos….
Pareciam demasiados largos….
Para esconder a nossa cumplicidade….
Só as mãos se entrelaçavam….
O encontro das bocas era adiado….
Quando soava que o lugar descansava…
O desígnio cumpria-se, sentia-mos o calor…
Só os lábios eram actores…
Adormecidos e extasiados…
Pelo momento que teimava em surgir…
Plenitude era o sentimento…
Mesmo sem sentir os corpos…
Fomos a harmonia dos momentos…
E eles, momentos, foram dàvidas…
Que cumprimos naquele sentimento…
Sublime depositário do nosso desejo…

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Estória num canto de Alfama


Se um dia tivesse que descrever Lisboa, descreveria de certeza a zona de Alfama, Santa Apolónia até á Praça do Comércio। Nunca um lugar representou o seu papel de forma tão harmoniosa.

Recordar, ou pensar, os locais que nos dizem que a história ali pode ser o cruzamento das estórias seria, concerteza , a convicção de que a minha estória ali se cruzou e se fez graças a outras estórias que com a minha se completam. Se o conjunto faz uma estória, os protagonistas são mais que ela própria e ultrapassam a dimensão dos momentos e prolongam-se para além deles.
Na sequência espacial criou-se o lugar dos amantes, daqueles que amam, e querem ser amados, que se escondem algures nos cantos da vida, não por vergonha, mas por amarem e por isso serem castigados, estranha ironia!
Nunca os momentos fizeram mais sentido que naqueles pedaços tirados ao senso comum, àquilo que parecia ser o certo. Afinal o sentido estava nos sentidos que invocavam o desejo de fugir ao que era comum, não afogar o que estava iminente, fugir….fugir sempre em frente!
Para alem de nós, parece estar sempre o apelo a sermos nós, aquilo que queremos que seja não só o desígnio mas também a confirmação que existimos por uma, ou mais, qualquer razão, razão essa que em nada deve á mesma, mas sim àquilo que somos devotos, a emoção, o prazer de sentir que os sentires não nos reduzem mas nos aumentam perante nós e nos indicam que afinal existimos no compromisso sem compromisso e de apenas amar-mos sem exigências.
À distância ilusória, pois ela, distância, nunca existiu, as palavras não surgem ocas. Parece que o sentido no tempo as confirma, dando-lhes agora a ênfase da maturidade, o atestado que são sem tempo e com sentido naquilo que se quer que tenham, ou seja, a razão das emoções e a emoção da razão.
Se me disserem que não existi responderei que existi em muitos momentos e naqueles que, só por egoísmo cúmplice assumido, compartilhei apenas com uma só pessoa digo que fazem parte da minha existência porque deles não abdico, mesmo que nunca os compartilhe no testemunho duma existência, seria despedaçar parte do que sou se não os assumisse perante o meu ser.
Lembra-te que nunca esquecemos que existia a existência, aquela que ironicamente nos afastava e nos aproximava, fazia parte da estória que se completava nela. Afastava-nos por nos tirar a preciosidade do tempo que egoisticamente, e teimosamente, queríamos como só nosso, mas fazia-nos acordar para a realidade que o nosso tempo era o cruzamento de outros tempos cuja importância não se media mas sim urgia em completar esses tempos.
A história faz-se do passado, mas as estórias fazem-se sem tempo, que se cumpra a estória quando tiver que ser cumprida, que contemple o tempo e complemente a vida numa ode a quem quiser viver com o único desejo de nela participar.

domingo, 14 de junho de 2009

Tanto em tão pouco tempo


A relação entre nós e essa unidade a que se convencionou chamar tempo é, quanto a mim, dos aspectos mais intrigantes da nossa vida. A ideia de vida é por si mesmo um facto que tem na sua essência, para além de outros factores, um determinado decurso de tempo, ou seja, necessita para ser contada ou até invocada ter um tempo associado.
Quando se vive intensamente no tempo que nos é proporcionado para essa vivência, existe uma certa perversidade, tendemo-lo a caracterizá-lo como pouco, ou muito. Dependendo a sua duração, não já de factores objectivos, minutos, horas ou até de dias mas sim, da nossa vontade em conduzir-mos a sua duração a nosso bel prazer.
O tempo mede-se, mas não se sente e cai por vezes impiedoso sobre nós. Outras, lamentamos, não passa, parece passear alheado da nossa necessidade de ele por nós passar para que antecipemos uma qualquer coisa cuja distância está apenas dependente dele.
É a nossa relação com o tempo que faz dele um valor de uma importância imensa. Cedo todos de aperceberam de uma ideia de valor associada ao tempo, mas o que me interessa, para o caso concreto, é não o seu valor traduzido em produto de troca económica, mas sim a relação dele com a nossa necessidade de adaptação àquilo que é a nossa vivência porque a ideia de vida , essa já lá está.
Por vezes a intensidade que colocamos e vivemos em determinadas situações leva-nos a ter uma ideia de escassez de tempo. Analisei a situação e pensei, será que as situações, elas próprias, não terão um tempo determinado como aquele que seria, até por experiência idênticas, o razoável ou necessário para se concretizar?
Ou então será não a impiedosa (no caso pela necessidade de controlar o tempo) padronização de uma qualquer, ou não, situação que nos parece agradável e, se diz dura aquele tempo, que afasta o elemento subjectivo, afastando assim o nosso sentir sobre a situação?
Ora acontece e penso que a todos nós, embora aqui o faça no exercício pessoal, que por vezes é muito o que queremos viver para aquele determinado padrão de tempo. Ou então que vivemos muito num curto período de tempo.
Aí surge a ideia que o elemento objectivo cai face ao elemento subjectivo a medida não faz sentido e é até um obstáculo, quantas vezes pensamos…… tanto para tão pouco tempo ou, tanto em tão pouco tempo!

domingo, 31 de maio de 2009

Pacto ou casamento….. a ideia do amor


Pois sim um casamento…contrato civil, diz a lei, entre duas pessoas de sexo diferente.
União para a vida, dizem as religiões, baseada na premissa do amor e que esse sentimento dura até ao fim da vida dos nubentes, resistindo e prolongando-se para lá da morte de um ou do outro.
Idealizado como o contrato, ou a ideia de votos de amor…….a instituição tem permanecido para além dos tempos, dos nubentes e dos contratos…até se discute, com e legitimidade, se não de devia abolir a ideia de pessoas de sexo diferente…..abrir assim o leque ao amor sem ideia de género humano homem/mulher, simplesmente a ideia de dois seres, não interessa de que sexo.
Sabes o que penso…….antes disto ter aparecido contratualizado, devo contigo ter feito uma espécie de pacto….se calhar numa outra vida……….tu amas-me, eu amo-te, começava assim o nosso pacto. Assim estabelecemos que, quer seja por contrato ou através de votos, vamos deixar os nossos corpos transpirar num qualquer canto……naquele cantinho……embora abunde toda a largura da cama , precisas de espaço dizes…….agora sei porquê…….não é muito quando o preenchemos, adivinhavas que eu viria! Não foi preciso o contrato ou a autoridade religiosa, sabias que era eu. Afinal, sem saber, procurava-te, és tu quem comigo um dia pactuou !
Há dias em que apetecemos….quem compreende que já casámos……afinal não está escrito…..nem estabelecemos os votos……doce pecado o dos nosso corpos, parece que nasceram para se juntar. Os lábios não dormem, já reparaste!
Porque será que sofremos as ausências……quando te encontrei, não me perguntas-te nada…..eu limitei-me a dizer-me…..ouviste e percebeste que as palavras só atrapalhavam, eram como campainhas constantes a alertar que vinha mais um apeadeiro, que teimosamente me fazia lembrar que se calhar era ali o meu destino….. Apear-me na paragem, nesta ou na próxima…não, na outra…….disseste….. deixa-me ser eu a decidir quando devemos apearmo-nos , olha a paisagem lá fora , ouve o som silencioso que emana da voz das almas.
Lembraste que só podíamos sobreviver se nos amássemos, como disse alguém….pois bem nós somos os sobreviventes que desconheciam o seu destino……mas estamos aqui…….casámos se calhar por um qualquer momento de vontades, do qual não existe registo a não ser o da nossa cumplicidade traduzida neste emaranhado de sentires……como é bom sentir o corpo quando a alma já entrou em ti.
Sim é verdade….eras tu que estavas naquele comboio e olhei para ti……eu sabia que te conhecia……e tu querias mesmo viajar e olhar a foz do rio……aquela foz volta sempre á tua vida e agora faz parte da minha vida…….casei lá contigo, lembras-te?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mãos







Porque escrever também é transcrever e quando tal surge como uma ode á beleza da escrita, á sublimação das frases, nunca o nosso engenho explicará o poeta, mas ele, poeta, precisa que o entendam para se libertar.
Aqui está o contributo deste humilde escriba para com um mestre da escrita, esmaga com as palavras.


Mas esmaga mesmo………. com sentimento.


Coração Habitado
Aqui estão as mãos। São os mais belos sinais da terra। Os anjos nascem aqui: frescos, matinais, quase de orvalho, de coração alegre e povoado। Ponho nelas a minha boca, respiro o sangue, o seu rumor branco, aqueço-as por dentro, abandonadas nas minhas, as pequenas mãos do mundo। Alguns pensam que são as mãos de deus — eu sei que são as mãos de um homem, trémulas barcaças onde a água, a tristeza e as quatro estações penetram, indiferentemente। Não lhes toquem: são amor e bondade। Mais ainda: cheiram a madressilva। São o primeiro homem, a primeira mulher। E amanhece। Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"














domingo, 17 de maio de 2009

Fátima, devoção e o corpo











A ideia de Fátima, a imagem e todo o local transporta de imediato para um espaço quase titânico pela sua dimensão.
Disse alguém…… que a ideia era mesmo essa…. reduzir-nos á nossa pequenez, termos noção da nossa pouca importância, acrescento eu, face á, eventual, dimensão da fé. Fátima não surge por acaso, houve uma aparição, quer por caminhos directos quer por uma ideia metafísica hoje reflectida até no campo virtual. A ideia da imagem, sempre deixa em nós, humanos, uma acesa curiosidade. Nunca conseguimos dissociar a imagem da Nossa Senhora de Fátima de todo aquele espaço físico onde a igreja implantou o culto á mesma….se os pastorinhos eram humildes, hoje a igreja faz com que se esqueça essa condição, parece ser a faustosa postura a tomar conta do local…conta-me, quem tem conhecimento de causa.
Esta necessidade da imagem, redunda na ideia do corpo e da necessidade de ultrapassar muralhas, saltar ou simplesmente subir ás mesmas por escadas que fruto dos séculos e das agruras temporais perderam os muros laterais…criando alguma insegurança e vertigem……há muralhas sobre as quais não conseguimos andar…..mas aparece sempre alguém que nos ampara e nos conduz entre o Castelo, demonstrando que imponência dos locais decorre também do facto de quem nos guia pelos mesmos nos ajudar a ultrapassar muralhas.
A devoção é uma característica humana tão antiga como a noção que temos de o ser.
A evolução do ser recai hoje, na sociedade actual, na penumbra dos sentidos…levando a que sejamos mais devotos a uma figura que de santa ou milagrosa nada tem e que aparece como o ideal e o idealizado.
Agora não é fé, mas sim essa insondável, mas sondável, arte do markting que vai ao encontro dos devotos criando neles a necessidade de parecerem, segundo um determinado padrão.
O nosso corpo como imagem devota, ou da nossa devoção, leva-nos por vezes a esquecer que ele não se destina só a nós, ele reflecte-se nos outros…a dificuldade é que julgamos pelos outros e segundo a nossa muita, ou pouca, devoção ao nosso corpo.
O nosso corpo é o prolongamento do nosso espírito, causa primeira da nosso devoção, por vezes subestima-mos a nossa imagem, não nos agradamos….não nos libertamos…..tentamos entender se os outros nos olham da mesma maneira…teimamos até que nos olhem só dessa maneira. Afinal parecemos abandonar a fé que nos foi incutida, deixamos de acreditar que nos podemos transforma até mercê da relação interpessoal.
Aqui aparece a devoção…é difícil……mas como devotos……libertamos a ideia do corpo e da sua contemplação….e elevamo-nos ao campo espiritual ao campo dos sentidos……afinal é possível sentir um corpo num outro corpo, ter sentidos e não é preciso um milagre….só é preciso acreditar nos barcos de Fanha, e vislumbrar as muralhas, mesmo que Fátima esteja mais longe do que aquilo que levou á sua implantação…..afinal é possível…..e até existiu devoção nos sentidos e criou-se o momento que não foi milagre …..foi o querer, porque……assim se quis.

domingo, 10 de maio de 2009

O Encontro


O Encontro
O paradigma do encontro, surge como a efectivação de algo que vai muito para além do que seria imaginável.
Doce momento de olhares, cheiros, e afectos! Entranhado na pele surge o cheiro dos momentos, olhando o rio…. Cai o pano, entram os sons das águas calmas.
O rio como testemunha, cúmplice do que se quer dizer e, não quer! Ainda há tanto para dizer e parece que tanto já foi dito. Não foi difícil o encontro, foi sim difícil dizer adeus, terminar o que parecia ser uma viagem que tinha sido retomado numa qualquer paragem das vidas que se cruzam para além do que são os espaços físicos e temporais.
O rio nunca mais será o mesmo, toda a água que nele correr vai murmurar-me aos ouvidos.....estiveste aqui! Cumpriste o desejo, não mais serás atormentado, encontraste o desígnio, aquilo que parecia não ser possível, olhaste o horizonte e não querias acreditar, diz-me baixo ao ouvido o rio.
Afinal os barcos flutuam com a força do vento, os dois lados parecem encaixar quase na perfeição, fundindo-se num só.
Foi expectável, mas sinto o privilégio de ter sido tocado por uma espécie de divindade, não no sentido metafísico, mas ter-me reflectido no meu eu, e como acto consciente possuir-me como hermafrodita voraz e sem contemplações!
Se nunca mais se repetir, valeu a pena, valerá sempre a pena recordá-lo! É um momento que terá vida própria, subsistirá para além de todos os tempos, e o rio registará a sua existência e fica fiel depositário, passará a história às sereias que o povoam que se encarregarão de levar o encontro a todos os cantos do universo!

domingo, 26 de abril de 2009

A vida vivida ao contrário

O conto de F. Scott Fitzgerald, no qual O Curioso Caso de Benjamin Button foi baseado, foi inspirado na famosa frase de Mark Twain:
“A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18".

Não partilho da teoria que inspirou o romance, Benjamim Button ou de um texto de Woody Allen, que a vida seria mais engraçada, ou mais feliz, se fosse possível ser vivida ao contrário….mais….. penso que era mais aborrecida que vivê-la como ela é na relaidade, e o prémio, se é que tal existe, não será diferente….pois nós voltamos sempre ao ventre pois lá é o nosso único lugar partilhado.A vida é um processo dinâmico que não pode ser invertido sob o risco de ser uma outra coisa qualquer, que se pode até transformar na negação da vida. Disperso-me, desfragmento-me, essa sim parece ser uma qualquer missão que tenho….rebuscar sempre os meus bocados, redescobrir-me para um dia quando sair da vida entender o todo que sou…. e fui.
Só estarei completo no dia que partir….aí terei noção da dimensão que consegui reconstruir sobre mim. Todo este processo passa por estádios…que muitos não entendem…sou mais, muito mais que aquilo que se vê ou se sente….mas será difícil algum dia alguém entender que de este processo tudo faz parte……até o amor!
Não me dimensionei ou redimensionei para ninguém, conscientemente….interrogo-me muitas vezes se conheço ou perco, quem por vezes quero? Vale sempre a pena saber que estive na terra do nunca!